sábado, 8 de novembro de 2014

Seu Sinhô, meu avô centenário

Homenagem a Joaquim Cruz Sampaio - Seu Sinhô

 

Meu avô materno nasceu no dia oito de novembro de mil novecentos e nove. Seu Sinhô como era conhecido por todos– nasceu Joaquim Cruz Sampaio – gostava do seu apelido de infância e o acalentava como seu personagem favorito.  Na Barbalha, sua cidade querida, chegou com seus familiares em 1923 e com 14 anos de idade.
Ao longo dos anos conquistou, com seu jeito simples de homem honesto, o respeito de todos. No sertão onde nasceu, aprendeu com seus pais a não se deixar enganar pelas facilidades da vida. O ensinamento decisivo dessa lição teve com seu irmão/pai Pedro Sampaio. Foi apenas depois de muitos anos da morte de Pedro que Seu Sinhô entendeu seus sentimentos filiais por ele. E o reconhecimento póstumo ele assim me relatou... Meu percurso na Barbalha deve a Pedro o que um filho deve a um pai.
Ao longo do nascimento de tantos descendentes, enfrentou com dignidade a morte dos seus treze irmãos e a perda de uma filha. Lembro-me da força resignada do Seu Sinhô ao lidar com a crueldade desse episódio em sua vida e na de dona Isa.
Também viu a sinistra senhora levar seus amigos diletos como Antonio Correia Celestino a quem chamou de meu saudoso camarada, Argemiro Sampaio e Marchet Callou entre outros.
Seu Sinhô levava a vida com determinação e gostava do cotidiano. Era empresário e depois dos cem anos diminuiu um pouco seu ritmo, passando a trabalhar quase todos os dias em sua loja na qual vendia tecidos desde 1934. Sentia-se bem no seu birô e gostava de receber no seu local de trabalho amigos, conhecidos, parentes, representantes comerciais... Enfim, quem quisesse falar com ele.  Mantinha sob controle suas finanças e cuidava com zelo desmedido do seu maior bem, dona Isa, sua esposa de noventa e dois anos de idade, com quem casou em 1938, aos vinte e nove anos.
Meu avô centenário teve seis filhos, dezenove netos, vinte e cinco bisnetos netos e uma tri neta.
As suas contribuições para sua cidade foram decisivas: foi presidente da câmara de vereadores por duas vezes e fundador da cooperativa de credito da Barbalha, numa época em que os bancos não se interessavam por pequenas cidades.
Nos idos de 1926-1927 armado de coragem, medo e pouca munição, não vacilou pegar em armas, junto com outros barbalhenses, para defender sua cidade da sanha do bando de Lampião. Felizmente, Lampião não apareceu, ninguém deu um tiro sequer, mas os laços com a Barbalha ficaram marcados com fogo. O mesmo fogo que nos junta a alguém. O mesmo fogo que nos prende a uma terra.
Em mil novecentos e noventa e nove, seu nome foi indicado pela câmara de vereadores para receber o título de cidadão barbalhense. Teve a coragem de recusar. Na época me confidenciou: ...sem falsa modéstia me sinto barbalhense e assim sou reconhecido.
Sua vida política partidária teve curta duração por vontade própria. Ele sabia que dedicar-se à política significava abdicar do que mais gostava. Seu comércio e sua família. Mas, nunca deixou de ser um homem político. Com ideias políticas e ações políticas, no bom sentido do termo. Esse sempre foi o aspecto mais interessante do meu relacionamento com meu avô centenário.
Tenho certeza que todos concordam comigo se eu disser que ele, do alto dos seus cento e dois anos de vida, se tornou um homem público. Coletivo. Tamanha a sua sapiência, capacidade adaptativa e dedicação à vida.
Em abril desse ano, em sua casa, Seu Sinhô me disse que já estava da mucunã pro bagaço. Quis me dizer que suas expectativas de vida já estavam nas últimas. Disse isso sorrindo, desafiando o inevitável e contando com a admiração dos presentes: ele sabia que o que a gente leva da vida é o que a gente deixa: as lembranças na memória.

Cesar Sampaio-C. 

Um comentário:

  1. Seria ótimo ver texto longos no seu blog mais vezes. É um deleite lê-lo sem a perspectiva de um fim breve e eminente. Parabéns.

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